quinta-feira, 2 de outubro de 2008


O céu cinza anuncia a futura chuva.
Margot, com seu cabelo vermelho, as unhas negras, e a pele vampíricamente branca apressa-se para tirar as roupas do varal.
"Que merda!" - grita, quando a primeira e densa gota cai sobre seus olhos azuis. Tristes olhos azuis.
"Agora não posso mais sair."
Pensa em chamar amigos para beber uísque ou jogar baralho, lembrar-se do colégio ou constatar o grande nada que todos eles viraram. Casamentos falidos, traições escancaradas, e filhos frutos do sexo sem graça, sem vontade e sem amor.
Acende um cigarro enquanto procura a agenda telefônica. "Deve estar em algum lugar". De fato, estava. Dentro da gaveta onde guarda as memórias do tempo em que ainda não se vendia para viver, e o pouco que restou de sua corrompida inocência. Ou o nada.
O primeiro não atende. O segundo, idem. E assim sucessivamente, entre secretárias eletrônicas e sinais de ocupado.
A chuva torna-se espessa, dá incríveis porradas na janela. Mas o dilúvio maior é interno. Ele não arranca telhados, arrasta entranhas. Machuca fundo.
Ela não quer mais companhia, álcool, nem cartas. Só um pouco de Morfina, ou qualquer outro anestésico que diminua a dor que a água causa ao dissolver seu coração de açúcar, cuja única função é bombear o sangue pro resto do seu corpo violado.
De soslaio, assiste à chuva passar tímida, como se sentisse vergonha do estrago que fez.
Margot reergue-se da cama, sopra as duas ou três cinzas que cairam sobre o peito nu, calça a bota.
Impermeabiliza as lágrimas salgadas com camadas de maquiagem e sai. Heróicamente, sai.
Mais uma noite na rua, com perfeitos desconhecidos a quem ela entrega o corpo que um dia já teve valor.
Mais uma noite no lixo, permitindo-se coexistir com a degradação do seu próprio "eu".

Essa é Margot. Essa sou eu. E você.

11 comentários:

Alexandre Bräutigam disse...

Adorei a imagem da chuva tímida, passando envergonhada. O coração de açúcar da puta marginalizada pela sociedade por sê-la. E teu final, sempre lindas resoluções, adorei o sentido de q todos nós somos putos, pq é a mais pura verdade. Todo mundo que é ser humano e convive com essa sociedade hipócrita se vendeu, prostituiu-se e n se envergonha disso.
O olhar azul-melancólico de Margot me traz à tona aquela cor cinza-azul-petróleo, digna da mais bela melancolia, pq essa cor no céu ou na alma pode conter beleza. Assim como seus textos tristes, seu sorriso alegre e a luz q emana de ti.

TE AMO GRANDÃO, FLOCKE !!

Anônimo disse...

Adorei o texto, altamente reflexivo. Impossivel ler e não pensar sobre. Mas ao mesmo tempo é sutil.
Parabéns.


Um abraço.
http://suellenpereira.blogspot.com/

Renata disse...

"Casamentos falidos, traições escancaradas, e filhos frutos do sexo sem graça, sem vontade e sem amor."


Essa frase do teu texto resume meu post... As consequencias do "amor eterno temporário"... é triste...


Mto bom seu blog! Adicionarei para voltar outrs vezes =)

Luiz Augusto disse...

Vc escreve muito bem, gostei do seu blog e obrigado por comentar o meu, apareça sempre por lá.

http://casosdeformiga.blogspot.com/

Luciano Freitas disse...

Gosto muito dessa forma de escrever. Venho visitando alguns blogs de contos, etc e não vi o que vi aqui. Gostei bastante. De verdade.

Eu tenho um blog de contos.. passa lá.. www.muitosemum.blogspot.com

bjo

Jéss disse...

o modo que tú escreve, permite visualizar bem a situação, gosto disso =)

http://tudoalheio.blogspot.com/

s2 Raah s2 disse...

Não sei nam oque dizer, mesmo, você escreve de uma forma que...
Bom eu esqueci de todo o resto enquanto lia seu texto. Parabens!


Bjuundah

;*

naosouemo.blogspot.com

Rayane Cássia disse...

Simplesmente encantador (..)

Anônimo disse...

Na boa? Amei seo blog, virei fã :D
Sempre estarei aqui e esse textinho me tocou profunadamente :D

Beijos e bom final de semana, espero sempre sua visita ;D

http://tiomah.blogspot.com

carol s. disse...

Não sou muito boa para comentários, mas adorei o texto. Pouco para falar, muito para refletir. pelo menos da minha parte ;)

Camila Barbosa disse...

Uau.
Ótimo texto.
Ela tem coração de açucar, eu não tenho. Não tenho também um coração de chocolate. Nem sei se eu tenho coração. Mas devo ter. É, eu tenho. Em algum lugar..