terça-feira, 30 de setembro de 2008


Seis da tarde.
Eis-me aqui; novamente a caminhar pelo mesmo círculo doente de todas as noites.
Solidão, desapego, medo. Medo?
Talvez fosse tudo que eu queria sentir.
O medo tem cor, seja de sangue ou de céu. O medo tem cheiro, seja de flor ou de pólvora.
Qualquer pseudo-sentimento seria melhor que essa coisa branca, insípida e pegajosa que guardo aqui dentro.
Mas não, senhores. Não a tirem de mim. A dor seria equivalente a de um braço, que uma vez amputado, dói para sempre.
Dor-fantasma. Pulsante mesmo após vinte anos.
Beber? Cheirar? Ou suportar lúcida e amargamente o peso de uma (quase) vida?
Assim, eu vou. Com o sorriso costurado a arame farpado e a podridão interna maquiada com perfume francês.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008


Mais uma vez, ela. Sozinha, ela. Ridiculamente ela.
E lá estava ele. Debruçado nas pilhas de cinzas do seu futuro câncer. Sozinho também.
Nenhum movimento, nenhuma palavra. Só o desespero.
Ah, o desespero. Nada fere tanto. Nada é mais angustiante que dois olhos negros a pedir uma explicação a Deus.
Quase uma da manhã. Quase amor. Sempre quase.

Sobre cigarros e álcool ela corta a madrugada. "Cadê o maldito isqueiro?" - pensa, antes de abrir o próximo maço.

Alguém liga o rádio. Talvez seja o desconhecido vizinho do andar superior. Toca aquele Blues amargo, cortante, doloroso. Tão doloroso quanto a cicatriz do pulso esquerdo, que nos dias de chuva, ainda cisma em pulsar.

Por entre o morto brilho de seus puxados olhos, escorre a mórbida homenagem ao seu ontem falido, ao seu hoje acabado e ao seu não-amanhã.

Definitivamente, seu não-amanhã.
É hora de cerrar as cortinas, a platéia-de-um-homem-só foi-se embora há muito tempo, e além do mais, a banheira já está preparada. Não mais que ela.
Nessa noite, descobriu que seu velho professor de Culinária não estava errado; instrumentos perfeitamente afiados não dão trabalho.
Foram frações de segundo para que o doce véu vermelho da insanidade cobrisse a água e acabasse com a dor. Sim, com a dor, e não com a vida. Com esta, ele já tinha acabado naquela cama suja, com a mais suja mulher.
Não corra agora. Seus caminhos distorcidos jamais chegarão onde ela quis.
Não tente estancar o sangue. Ele já escorreu tantas vezes e tão mais.
Tudo por você.